A história...
Os atores entrando em cena, carregados de objetos e histórias. Na foto, da esquerda para a direita, Rachel Palmeirim, Elina Lugatti e Cida Palmeirim. |
Atores entram em cena por um túnel
mágico para contar uma história para o seu inédito público, trazendo consigo o
livro O Pequeno Principe, de Saint-Exupérry, como inspirador. Mesclando narrativa e interpretação, contam
sobre a vida de um principezinho, sua rosa, uma raposa, uma serpente e um
aviador.
Devido ao
comportamento autoritário de sua rosa, o Pequeno Príncipe sem entendê-la,
decide descobrir novos mundos e viaja através de um cometa por diversos
planetas, conhecendo as adversidades existentes nos homens, para finalmente
chegar a Terra.
No deserto se
depara primeiramente com uma serpente que após um breve diálogo o deixa
temeroso e assustado. Em seguida torna-se amigo de uma raposa e compreende os
sentimentos daqueles que se deixam cativar. Percebe a partir desse momento o
quanto sua rosa é importante para ele.
Alguns dias antes de completar um ano na Terra o Principezinho conhece
um aviador, que após uma pane no seu avião, caiu no deserto. É para ele que
conta toda sua história até aquele momento, deixando-o seduzido pela sua simplicidade,
singeleza e forma natural e crítica de observar o mundo. Após nove dias em sua
companhia e preocupado com a sua rosa, o Pequeno Príncipe decide voltar para o
seu planeta com a ajuda da serpente.
A Proposta Cênica
A serpente (Eliana Lugatti) e o Pequeno Príncipe (Rachel Palmeirim): os atores narradores personificam os personagens e jogam com objetos diversos para contar a história. |
A releitura
da obra de Saint-Éxupèry trouxe para a dupla de diretoras um desafio. Como
encenar essa obra sem deixá-la monótona ou cansativa? Por onde começar os
ensaios? Qual proposta cênica seria
colocada para os atores? Tínhamos um texto ágil e bonito, mas apenas dois
atores e um percussionista em
cena. Por esta razão, tínhamos que descobrir o mecanismo que
nos levaria ao dinamismo. Qual seria?
Somente uma
proposição era certa, queríamos em cena duas cadeiras, interferência de sons ao
vivo, bonecos, atores em momentos de interpretação, narração e o elemento
surpresa.
Depois de
muita pesquisa, surgiu a idéia de uma experimentação. Por que não usar a
experiência corporal cumulativa dos próprios atores, para dar início as cenas?
Dessa
forma, achamos por bem, dissecar o texto, visto que sua autora, estava também
envolvida a atuação, debatendo-o com as pessoas que estavam dentro do processo
de criação, entre eles, direção, produção, atores, equipe técnica, cenografia,
iluminação, etc...
Tomamos então por
base um paralelo com o trabalho pedagógico de Celestin Freinet, onde, uma das
suas invariantes pedagógicas, foi a principal articuladora de nosso processo
criativo, a experiência tateante, ou seja, a experimentação
que leva ao conhecimento.
A partir da
descoberta desse paralelo, o comprometimento pessoal de cada um dos integrantes
do processo, com o espetáculo, passou a ser mais real, mais
"visível", todos se fecharam num só propósito e desejo, de se
empenhar ao máximo na proposta de experimentar, de não partir de idéias e
imagens pré-concebidas, de modelos prontos, trazendo, assim, para os ensaios
somente a sua vivência corporal e emocional do universo infantil.
Através de um
processo de improvisação corporal direcionada ao texto, tendo sempre as duas
cadeiras como parte integrante desse processo, os atores, deixaram transparecer
dos seus corpos, suas emoções, se relacionando com a música, consigo próprio,
com o outro e com as cadeiras, criando imagens inerentes ao texto e a tudo que
a ele fazia referência nessa linguagem corporal de ser criança, de brincar,
jogar, viver, sorrir, dançar, se entristecer, que foram sendo cuidadosamente
coletadas e transpassadas à cena.
Essas imagens
marcam momentos cruciais do espetáculo, dando a dimensão necessária e a fluidez
ao texto que tanto precisava a direção na concepção do mesmo.
A proposta pedagógica:
PARALELOS ENTRE SAINT-ÉXUPÈRY E
CELESTIN FREINET
PARALELOS ENTRE SAINT-ÉXUPÈRY E
CELESTIN FREINET
Apresentação para os alunos na Escola Municipal Honório Pacheco, em Niterói-RJ. |
Constatamos em nossos
estudos, que havia grandes coincidências, se assim as podemos chamar, que nos
marcaram profundamente. A primeira é que os dois eram franceses e viveram numa
mesma época, e sofreram influências em suas vidas por parte da 1ª Grande
Guerra. ANTOINE DE SAINT-ÉXUPÈRY, foi colocado por sua mãe em uma Escola
Jesuíta, de rigorosa disciplina, a qual ele não conseguia se adaptar, visto que
em sua primeira infância havia vivido num velho castelo em Saint – Maurice de
Rémens, onde a atmosfera de lendas e encantamento o cercava, juntamente com os
contos que sua mãe tão bem sabia narrar. Sua educação naquele período era de
responsabilidade de uma austríaca, a quem Antoine sempre se referiu como uma
lenda, pelo carinho que ela lhe havia dedicado, aprendeu desde cedo a apreciar
a pintura, a música e a gostar de ler. Sua mãe havia lhe passado a
sensibilidade de sentir com o corpo e a alma, por esta razão, qualquer mudança
para as escolas tradicionais, traziam punições e a tristeza que lhe era
inerente. Já nesta mesma época CELESTIN FREINET, que havia iniciado seu curso
de magistério, interrompe seus estudos, e como já havia completado 18 anos,
alista-se no exército, mas gases tóxicos prejudicam seus pulmões, recebendo
baixa. Conhecedor da Escola Nova, ele buscava caminhos para adaptá-la ao
trabalho com crianças humildes, era um apaixonado pelo diálogo e mantinha uma
grande aversão a qualquer forma de autoritarismo e de didatismo, e através de
sua sensibilidade no contato com os alunos, descobre que as atividades
essencialmente práticas originavam atividades voltadas para o interesse da
criança. Não era assim também a forma sensível de ser de Antoine?
Pela segunda vez nos
deparamos, inexplicavelmente atônitos e radiantes quando ao estudar os
princípios da pedagogia de Freinet, que é centrada na criança, vimos em nossa
frente o Pequeno Príncipe, esse menino, que tão bem Saint-Éxupèry construiu,
(talvez fosse ele seu alter-ego), se não vejamos esse paralelo:
Senso de
responsabilidade, senso cooperativo, sociabilidade, julgamento pessoal,
autonomia, expressão, criatividade, comunicação, reflexão individual e
coletiva, afetividade. Todos esses princípios fazem parte da personalidade do
nosso menino em questão.
Tudo
aquilo que Freinet prega em suas invariantes pedagógicas, podemos verificar
dentro da linha traçada por Saint-Éxupèry para o seu livro, seja nas ações dos
personagens, nas suas personalidades ou nas belíssimas frases que ficaram até
nossos dias.
"A
criança tem a mesma natureza que o adulto". "Ser maior não significa
necessariamente estar acima dos outros". "Toda ordem sob forma
autoritária é um erro". "A memória tão preconizada pela escola, não é
válida, nem preciosa, a não ser quando está integrada no tateamento
experimental, onde se encontra verdadeiramente a serviço da vida".
"As aquisições não são obtidas pelo estudo das regras e leis, como às
vezes se crê, mas sim pela experiência". "A criança e o adulto não
gostam de ser contrariados e receber sanções, isso significa uma ofensa à
dignidade humana, sobretudo se exercida publicamente". "A democracia
de amanhã prepara-se na escola. Um regime autoritário na escola não seria capaz
de formar cidadãos democratas". "Respeito à criança e por sua vez a
criança ter respeito aos seus professores, assim se educa dentro da
dignidade". "É preciso ter esperanças otimistas na vida".
São
algumas dessas invariantes que se relacionam com a alma do livro, quando
Saint-Éxupéry nos diz: "Foi o tempo que dedicaste a tua rosa que fez tua
rosa tão importante". "A gente se torna eternamente responsável por
aquilo que cativou". "Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é
doce, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas". "Quando
eu tinha mais ou menos a sua idade fiz um desenho, mas ninguém gostava dele e
eu sempre tinha que dar explicações". "Aquele menino se parecia
bastante com ele quando era criança, e também entendia muito bem os seus
pensamentos, que não eram iguais aos das outras pessoas grandes".
Assim,
pudemos desvendar e perceber, que ao Pequeno Príncipe, não bastava conhecer o
seu mundo, o seu planeta, ele teria que partir numa longa viagem para conhecer
outras pessoas, vivenciar novas emoções e obter o conhecimento através de suas
experiências.
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